RIO — Em “Que horas ela volta?”, que teve première mundial no último domingo (25) na 31ª edição do Festival de Sundance, a babá interpretada por Regina Casé vive repreendendo a filha adolescente (Camila Márdila) que, em a visita à mãe (elas não se viam há dez anos), insiste em burlar as regras da relação entre empregado e patrão. A construção dessa sutil tensão social, mote do filme dirigido por Anna Muylaert, foi bastante elogiada nas primeiras críticas americanas, que destacam a performance de Regina.
“Ela é, definitivamente, o destaque. Sua Val demonstra tanto amor e trabalha tanto e tão constantemente que é impossível não gostar dela, embora, na prática, tenha abandonado a filha e, quando reunidas, seja obrigada a concluir que é uma estranha com ideias e valores diferentes dos da garota”, escreveu Boyd van Hoeij no “Hollywood Reporter”.
“O que faz ‘Que horas ela volta?’ ser particularmente atraente é que Muylaert não julga ou toma partido dos seus personagens, mesmo quando critica a construção social dentro da qual ela os coloca”, ressaltou Kim Voynar, do site Movie City News.
O EFEITO DA PEC
“Que horas ela volta?” é centrado na figura de Val, nordestina que deixou a cidade natal para trabalhar como doméstica em São Paulo e assim sustentar a filha pequena, Jéssica, que ficou com a avó. Dez anos depois, a adolescente chega à capital paulista para fazer vestibular para Arquitetura e, hospedada na casa dos patrões da mãe, a recrimina por sua subserviência às regras de convivência com seus chefes. O filme pinta um retrato da transição inspirada pela PEC das Domésticas, que coloca em xeque a tradicional relação entre patrões e empregados.
— O roteiro de “Que horas ela volta?” parte de uma situação ficcional para mostrar vários aspectos sociológicos e antropológicos de um momento recente da história do país, mas não só isso — diz a diretora e roteirista paulistana, autora de “É proibido fumar” (2009). — Tínhamos dúvidas se os estrangeiros entenderiam essa situação, que é bem brasileira, mas entenderam, sim. Pessoas de várias nacionalidades se identificaram com o filme em Sundance, negras ou latinas. De alguma forma, sabem como se sentem cidadãos de segunda classe.
Depois da boa recepção no festival, onde compete na seção World Cinema, “Que horas ela volta?” segue para o Festival de Berlim, onde terá sua primeira projeção no dia 8, dentro da mostra Panorama, a paralela mais importante da maratona alemã. Anna espera que os europeus atentem também para os aspectos afetivos da trama. Ela explica que Val é uma mulher que se anulou para dar um futuro melhor para a filha. Impossibilitada de revê-la, transfere seu amor para o filho da patroa, repetindo um modelo comum no Brasil há gerações. Não por acaso, o filme está sendo exibido lá fora com seu título internacional, “The second mother” (“A segunda mãe”).
— A plateia americana riu e se emocionou bastante, não colocou o social como ponto principal. Os europeus, sim, é que se interessam mais por essas questões. Tanto é que distribuidores da França e da Itália já estão conversando com o nosso agente de vendas — conta Anna.