Querida Regina Casé, mais uma vez você entendeu tudo. Que o Asdrúbal continue te trazendo o trombone e iluminando a evistência. O buraco da ordem e do progresso é mais embaixo, você está certa. Conte com meu voto. Seu quadro no Fantástico é o verdadeiro horário político obrigatório, se é que as nossas senhoras governadoras conseguem ver o que vai de plataforma eleitoral embaixo da necessidade de que todos cumpram as leis mais básicas da existência.
Você já mostrou à madame insolente que se recusa a recolher o cocô do cachorro da rua, desmascarou o doutor de bom aspecto tentando desfazer o nó do trânsito com toques alucinados de buzina. É isso aí, Regina. Tudo bandido. Cada um ao seu jeito, tudo Elias Maluco. Qualquer pessoa que tenha passado pelo Centro do Rio percebe que eles venceram. É a barbarie, a bandalhoca, o salve-se quem puder o seu. E, no entanto, quando eu ligo a televisão para escolher com qual dessas senhoras vou passar meus próximos quatro anos, elas me cantam com um papo de estadistas internacionais. Ora, pois. Se as pessoas não conseguem entender os rudimentos da organização social, como as senhoras governadoras podem querer ganhar votos tratando de abstrações eleitorais do tipo “destinação de verbas” ou quantos policiais serão colocados nas ruas. “Eu vou abrir 20 creches”; diz uma. “Suas 20, mais 30”, repica outra.
A crença geral é que aquela gurizada da Cidade de Deus, o filme, vai continuar a sair das fraldas ansiosa para pegar o primeiro trabuco que o movimento oferecer – e sair zoando. O chocalho agora faz rá-tá-tá-tá. E a única que parece mais próxima de falar disso é você, Regina, quando pediu que o sujeito que usa o acostamento para fugir do engarrafamento lhe entregasse o diplomas você que fica lá paradinha, de otária. A civilização dos espertos, dos que vivem acima das leis, venceu, e você está desmascarando isso. Com humor e inteligência, suas adoráveis armas de cidadã. Estamos todos reféns, Regina, e não dá nem para chamar a policía porque, entre outros motivos, o PM está embaixo do sinal apitando feito um doido, decibéis ao léu, sem qualquer necessidade e contrariando todas as posturas que regulam os ruídos na cidade. É um senhor gorducho, como parecem ser todos os PMs desta cidade, e provavelmente é um homem que procura se manter na lei. Mas o problema é exatamente esse, Regina, como você tão bem tem mostrado na TV. Ninguém sabe mais o que é lei. Os da Cidade de Deus matam, e isso é flagrantemente inconstitucional. Mas e os outros que estendem barreiras no meio da calçada da Rio Branco para vender disquetes piratas? Você, Regina, que antes deu o toque pedindo um Brasil legal, percebeu agora que estamos cercados de bandidos por todos os lados e muitas vezes os bandidos somos nós mesmos, em fila dupla na frente da escola, emporcalhando as ruas com galhardetes ou tocando piano de madrugada. Estamos todos fora da lei e o que eu vejo na televisão são três estadistas muito bem penteadas que só vão saber o que é mesmo um corpo a corpo no dia em que tiverem um celular arrancado das mãos, essa banalidade das mas cariocas. Eu posso estar exagerando. Regina, mas vi o teu programa, sobre as bandalhas do trânsito no Centro, poucas horas depois de ter visto o filme Cidade de Deus, e fiquei com a impressão de que os bandidos do cinema eram mais escuros que os teus, e as armas dos teus vinham na versão quatro rodas mas fiquei com a impressão de que o assunto era o mesmo, Regina.
A Cidade de Deus está escapulindo de Jacarepaguá incontrolável como aquelas aranhas assasinas de filme B e, as governadoras, alisando suas cabeleiras, surdas embaixo do secador, não estão percebendo. Toca o trombone, Regina, mas por favor antes das dez!, que alguém vai acabar ouvindo. Sem mais me despeço, sinceramente asdrúbal e seu eleitor.